3 Impactos na familia quando há excesso de protecção na criança especial ( 1ª parte)
- Susana Isabel
- 22 de jan. de 2020
- 4 min de leitura

É certo que cuidar de crianças com deficiência ou doenças crónicas ou raras é um grande desafio para os pais. Dependendo de cada caso, exigem determinados cuidados, para os quais nem sempre os pais se sentem preparados, emocionalmente e financeiramente falando. Procuraram fazer da melhor forma que sabem e podem, dependendo dos recursos de cada familia.
Por vezes acabam por ser educadas e criadas, num ambiente de excesso de proteção... que nem sempre é benéfico para a criança, nem para o sistema familiar...Criando assim um impacto negativo para todos, nem sempre perceptível a curto prazo.
Conclui isso, observando várias familias de perto e para o meu caso particular, na qualidade de mãe de um pré adolescente portador de Perturbação de Espectro de Autismo (PEA).
Passei por essa fase de excesso de zelo com ele, quando foi diagnosticado aos 3 anos. O medo do futuro, das fragilidades e das limitações dos comportamentos inerentes dessa perturbação e o impacto que causava em toda a familia, dominou-me por completo.
Só para ter uma pequena ideia, iniciamente havia constantemente "birras diárias", que paralizava toda a familia. Era uma forma de comunicar a sua enorme frustração, por não conseguir transmitir o que queria, o que sentia e não ser compreendido por isso.
Não saber como lidar com as birras, frutrações e a hiperatividade, era angustiante, stressante e muito cansativo. Esses comportamentos acabavam por ditar a vida familiar, ao ponto de, não ser possível fazer coisas simples em família. Para não ter que as enfrentar, bem como as criticas dos outros que também assistiam , deixava-se de fazer determinadas coisas, como tomar uma refeição com amigos e familiares, ou ir às compras ao supermercado, ou simplesmente sentá-lo na cadeirinha para fazer uma viagem de carro...
Não havia nada mais angustiante, que não conseguir acalmar a criança e ter pessoas envoltas a formular juizos de valores... que só aumentava ainda mais a ansiedade e o sentimento de impotência e de fracasso, como mãe...
Foi necessário fazer algo para mudar essa realidade, que estava a "asfixiar-nos" , como familia. Iniciou-se uma busca pelos melhores programas de tratamento terapêutico. Criou-se toda uma logistica da nossa estrutura familiar, de modo a garantir os meios financeiros e humanos, para que o meu filho pudesse ter acesso ao programa, que nem sequer havia na nossa cidade.
Exigiam a disponibilidade dos pais para acampanhamento parcial e/ou totalmente, de modo a usufruir das terapias e colocar em prática indicações terapêuticas, de forma regrada. Em todas as rotinas diárias, tudo era motivo e pretexto para ser trabalhado, fosse na rua , em casa, no carro, no café.Só poderia haver sucesso e melhorias, aplicando as orientações positivas a toda a hora.
Tinha em mãos o maior desafio de todos, que implicava uma grande entrega para possibilitar as mudanças que desejavamos melhorar e transformar nos comportamentos da nossa criança, para que pudéssemos todos viver em paz e harmonia.
Mas essa entrega, teve um preço muito alto. Tinha assumido essa responsabilidade, que me sobrecargava, por causa do medo de falhar. Os familiares nem sempre compreendiam as práticas terapeuticas que eu aplicava, mas também não conseguiam lidar com o meu filho. Embora o pai fosse também envolvido nesse trabalho, nem sempre conseguia estar à altura do desafio...Sentia-me sozinha nessa luta, dando tudo de mim, até ao dia que não consegui mais...
Durante essa fase, tornei-me numa mãe extremamente zelosa, envolvida e focada no tratamento do meu flho,ao ponto de serem remetidos para segundo plano outros papéis/funções e aspectos importantes da vida pessoal e familiar.
Só anos mais tarde, com o estudo no âmbito do Auto-conhecimento, do Desenvovimento Humano e mais recentemente, com contacto com as Constelações familiares, tomei consciencia plena dos impactos sofridos na familia, por conta dessas vivências.
Olhando para trás faço uma leitura diferente sobre tudo o que foi vivido. O meu principal foco era a mudança de comportamento do meu filho. Trabalho esse que actualmente estou a colher os frutos e me orgulho e sou profundamente grata.
Mas também percebo que apenas foi trabalhada uma face da moeda, que são os cuidados terapêuticos, com enfoque no comportamento.
Existe outro lado da moeda, não menos importante, mas esquecido pelos profissionais de saúde, que é a gestão emocional da criança especial e da familia.
Há uma ânsia para corrigir o sintoma e esquece-se de explorar as emoções que levam as crianças a adoptar determinados comportamentos. É certo que a grande dificuldade de expressão e comunicação dificulte essa exploração, mas não pode ser a desculpa para não ser feito esse trabalho, por muitas limitações que a criança possa ter.
Com base da psicoterapia das Constelações familiares, criada por Bert Hellinger, uma familia consegue manter-se funcional, se seguir as três ordens do amor: que é a ordem do pertencimento, da hierarquia e do equilibrio entre dar e receber.
No caso do meu filho, compreendi que o seu comportamento era apenas uma chamada de atenção para aspectos emocionais que o "torturaravam". Espelhava as emoções vividas por cada elemento da sua familia.
Como mãe, o facto de eu ter uma ânsia em "tratar" o seu comportamento, não significava que o aceitava integralmente. Na realidade, eu demorei anos a aceitar a sua condição. Doia-lhe sentir que os próprios pais não aceitavam, como era.Sentia-se excluido, porque não tinha lugar. Estava-lhe vedado o direito de pertencimento à familia.
Isso refletia-se no seu comportamento.
Doi-me o coração escrever tudo isso, mas é a verdade.
Agora tenho consciência que o libertei dessa dor, quando chegou o dia que compreendi a sua vinda ao mundo e o aceitei plenamente no meu coração. Nem imaginam o impulso evolutivo que ele teve, a partir desse momento. Ele sentiu esse novo acolhimento, da minha parte.
A primeira ordem do amor do pertencimento, tinha sido, finalmente cumprida.
O excesso de zelo ao meu filho mais novo, desencadeou outros desiquilibrios na minha familia, no que diz respeito à ordem da hierarquia.
Na próxima Sexta-feira abordarei o segundo impacto desencadeado pelo excesso de zelo, na minha familia.
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Gratidão pela oportunidade de partilhar um pouco de mim, ao mundo!
Susana Isabel Falhas
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